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Tristeza ou depressão?

Quem trabalha na área sabe que somos seres bio-psico-sociais. Acontece que cada um tem suas preferências teóricas e assim existe a “turma” do bio, a do psico e a do social.

A depressão é um problema para todos os que não sabem operar com as 3 variáveis ao mesmo tempo. Os psiquiatras clínicos (“bio”) acham que quase tudo depende da concentração da serotonina nas sinapses cerebrais: quando ela fica baixa, nos sentimos fracos e tristes e passamos a ver a vida pela ótica pessimista, que acaba interferindo sobre o estado mental e sobre nossas relações interpessoais.

Os psicoterapeutas (“psico”) acham que quase tudo depende de conflitos íntimos derivados de experiências dolorosas na infância e adolescência: inseguranças sexuais, baixa autoestima dentre tantas condições negativas nos deixam tristes, incompetentes para o amor e para as boas relações sociais, condição na qual também nos sentimos deprimidos.

Os sociólogos (“sociais”) acham que quase tudo acontece por força das circunstâncias que nos rodeiam: criamos um meio social mais voltado para a produção e o consumo e nosso habitat, exigente e cada vez mais difícil, nos leva a um estado depressivo por não estarmos de acordo com todas as expectativas (riqueza, magreza etc.).

Nunca me filiei a escolas e tenho horror a dogmas. Fui dos primeiros a ver a depressão como um tema complexo: as pessoas estão crescendo mais frágeis por força de uma educação mais permissiva e não estão sendo capazes de lidar com as pressões sociais, que só têm crescido. Isso faz com que a incidência de quadros depressivos esteja crescendo efetivamente.

Os médicos não sabiam fazer diagnóstico que, de fato, se tornou mais acurado (em parte, é verdade, por pressão da indústria farmacêutica, interessadíssima em vender os novos antidepressivos) e isso também modificou o número de casos de depressão.

Qualquer que seja a causa, psicológica ou social, ao longo do tempo, sempre existem repercussões sobre os neurotransmissores cerebrais e o uso de antidepressivos pode ajudar a aliviar a dor mesmo naqueles casos em que os problemas são concretos e objetivos, para os quais a psicoterapia também está indicada.

A concomitância de psicoterapia com o uso de antidepressivos é algo que faço desde 1967 e ainda hoje muitos psicanalistas (e alguns psiquiatras clínicos) acham prática indevida.

É claro que as depressões podem acontecer por força de perturbações originárias de predisposições orgânicas (familiares ou não) e aí acontece o contrário: a pessoa deprimida enxerga mal a si mesmo e sua realidade.

Minha convicção é a de que se trata de um caminho de mão dupla: perturbações na química cerebral alteram a forma de pensar ao passo que pensamentos equivocados, derivados de conflitos psicológicos íntimos ou de se ter que viver num meio social inóspito, provoca alterações na química do cérebro.

Apesar de não parecer, o pensamento é o subproduto misterioso da atividade cerebral. Um subproduto curioso uma vez que ganha poderes próprios, inclusive para interferir na atividade cerebral.

É tudo muito complexo e a questão não cabe numa fórmula simplista. Assim, cada caso é um caso que deve ser estudado detalhadamente. O ramo é mais parecido com a “alta costura” do que com o “prêt-à-porter”.

Autor: Flávio Gikovate

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