Imagem

O MEDO DE PERDER ALGUÉM

Além do velho do saco, que poderia aparecer tocando a campainha se a gente não raspasse o prato ou se não dormisse no horário, havia o medo permanente da carrocinha, que levaria meu cachorro embora.

A esquina era ameaça do recolhimento dos cães.

Meu cachorro não poderia permanecer sozinho por aí, passear à toa, senão seria posto num furgão com cela, algemado e jamais o teria de volta.

A carrocinha animou meus pesadelos de pequeno. Eu suava frio, arregalava os olhos, porque os pais diziam que o motorista não tinha compaixão: “animal andando sozinho, carregava”. Ele nem procurava descobrir onde morava, não investigava seu paradeiro. E a mãe ainda vinha com o terrorismo de que os cachorros virariam sabão.

Sofria com a ameaça constante dos caçadores diabólicos das mascotes pela madrugada.

Preparei coleira para o cachorrinho, com endereço e telefone. Dava banho todo dia para que não parecesse sujo e anônimo. Explicava o caminho de casa, sempre largando ração no jardim para fixar o lugar.

Não deixava sair de perto. Observava quem abria o portão para que logo fechasse. Eu me arrepiava com cada visita e a possibilidade da porta encostada.

Protegia meu vira-lata mais do que brincava com ele.

É da infância o meu medo de perder alguém.

Carrego dentro de mim uma sensação de inesgotável vigília. Os efeitos colaterais das histórias de pequeno não terminaram na adolescência, seguiram adiante, atingiram o batimento cardíaco de homem feito.

Troquei apenas a carrocinha por outro nome. Mas não confio na rua. Dependo da proximidade para cuidar.

Peno quando meus familiares demoram a regressar. Prefiro estar longe a ficar em casa esperando – é menos tensão.

Todos os amores foram cachorros inofensivos, indefesos, vulneráveis a uma emboscada. Como se não pudessem se defender, como se não pudessem contornar as dificuldades, como se viver fosse pedir ajuda.

Não sei explicar exatamente. Fiquei sequelado pela contundência das advertências infantis.

A cada despedida de namoro, por exemplo, emergia a angústia: de que modo ela vai se cuidar sozinha? Vai dar conta dos perigos, recusar quem possa lhe fazer mal?

E perguntava se estava bem, se precisava de alguma coisa, telefonava e não me mantinha indiferente ou independente com a separação. Ainda carecia de notícias. Não me desligava completamente, até sentir que ela estava a salvo. Mas somente estaria a salvo comigo, na minha loucura atrapalhada de onipotência.

Talvez a carrocinha seja o meu pânico de virar sabão. Um herói sem missão, um salvador desempregado. Que eu termine esquecido, com o fim da espuma da raiva, e não seja procurado de volta.

Autor: Fabrício Carpinejar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *