O medo de perder o ser amado

A inquietude dos amantes é  mostra do medo da perda. E assim Ana tropeçou em seus desejos e agarrou entre as pernas o que lhe cabia da alma de Alfredo, como um lamento para que não lhe deixasse nunca mais.

Era tamanha a paixão espalhada pelos quatro cantos dos bares, das escolas, do carro, da esquina, dos encontros em família, que Ana temeu por Alfredo. Temeu a felicidade que lhe arrebatou e a entregou às fantasias, temeu que o fim viesse de supetão; fez dos suspiros de prazer, ladainhas de súplicas por não perdê-lo.

Bisbilhotava os e-mails, as mensagens, as ligações, a carteira, as faturas, as calças, as camisas, o pescoço de Alfredo. Cansada de temer pela falta da felicidade que a presença do amado lhe garantia, passou a desacreditar na sorte de um grande amor e da destemperança colocou fim no que foi um romance.

Cenas como esta são mais típicas do que se pode imaginar. Atendo tanto mulheres quanto homens vítimas do medo da felicidade amorosa, que deixam de viver o início de uma história por já vivenciarem seu fim.

É a culpa que a felicidade implica. Culpa? Pois ouso dizer que sim. Acostumadas na vida “água com açúcar”, na espera por um amor que lhe traga sensações novas, muitas pessoas não se acham merecedoras de felicidade. É como se ao conseguirem algo que esperaram por muito tempo, tivessem que destruir um pouco desse objeto para que a sensação de felicidade não fosse tão plena, tivesse ao menos uma “trinca”.

O sentimento premente de que o objeto de harmonia não estará mais ali daqui algumas horas, já habita os escritos de Freud com o nome de Pulsão de Morte, a compulsão pela segregação do que é vivo. Inicialmente voltada para o interior e tendente à autodestruição, é secundariamente dirigida para o exterior, manifestando-se então sob a forma de pulsão agressiva ou destrutiva.

Penso que existem as variadas formas de defesa e que o termo apresentado por Freud como Pulsão de Morte deva ser respeitado, entretanto parece-me que esse medo da perda está muito mais ligado ao nascimento.

Ao nascer o bebê é repelido do útero materno, local em que estava acomodado por bom tempo e que lhe prestava alimentação e conforto. Subitamente esse bebê passa pela nítida impressão de ruptura da harmonia do útero em contraste com a agressão do nascimento.

A sensação de desamparo passa a acompanhar a pessoa por toda vida, como se uma nova sabotagem estivesse pronta a acontecer. Avalio essa concepção através das obras de Otto Rank, que confrontando com Freud, que valorizava o complexo de Édipo, deu importância ao trauma, considerando que a ansiedade neurótica é uma repetição do fenómeno fisiológico do nascimento.

Desta maneira o bem estar, a paz proporcionada pelo amado no início de um relacionamento, está ameaçado pela ruptura brusca e, novamente, o estado de desamparo. É claro que os conflitos psíquicos são de densidades diferentes em cada pessoa, mas se trouxéssemos à luz o inconsciente de cada ser, seria possível verificar que na maioria, todos, têm o medo da perda próximo à esfera de ser feliz.

Driblar esse sentimento parece-me fácil se pensar no estado momentâneo. Ao invés de nos colocarmos no futuro, temerosos do que nos possa acontecer, devemos manter uma postura sólida no hoje, mudando o verbo “ser” feliz, para “sou” feliz.

Aproveite o encantamento do momento no instante em que ele se manifesta. Quando o medo, o pavor e a angústia se manifestarem, respire fundo, negocie com essa brusca sensação de desamparo e mantenha a coragem de perseverar.

(Autora: Natthalia Paccola)

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