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Bullying na escola ou da dificuldade de lidar com as diferenças

A aceitação é uma necessidade básica para que nós, seres humanos, tenhamos saúde psicológica. Desde os primeiros momentos de vida o olhar amoroso e os cuidados da mãe ou cuidadora e dos mais próximos são fundamentais para o bem estar da chegada de um novo membro na família e na sociedade.

Ao longo de nosso processo de constituição como sujeitos, a sociabilidade é um dos aspectos que nos desafia. A chegada na escola, que se dá em tempo cada vez mais precoce, é um marco no processo de socialização e coloca a criança em contato com universos diferenciados, tanto em termos de experiências, como em termos de diferenças pessoais, de quem vem de diversos ambientes, com as mais variadas bagagens e formas de ser e de agir. Esse contato causa impacto. Quem nunca viu ou passou por situações nas quais crianças mostram-se surpresas e mesmo chocadas diante de pessoas diferentes de seu universo habitual? Que pais desconhecem o constrangimento de ver seus filhos olhando – quando não falando em alto e bom som – curiosos e ostensivamente para aqueles que destoam daquilo que eles conhecem? Diante disso percebem a necessidade de orientar seus filhos quanto a como lidar com essas reações diante das diferenças ou do, até então, desconhecido.

No entanto, nem todos levam isso em consideração, muitas vezes deixando passar, sem que tenham uma atitude educativa a respeito, conversando, explicando sobre o assunto, por acharem que “é coisa de criança” e, portanto, sem importância. Com isso perde-se a oportunidade de ensinar sensibilidade e empatia aos filhos que, quanto mais cedo acontecer, mais possibilidades de resultados humanizadores propiciarão. As consequências dessa omissão podem levar a fenômeno antigo, mas, de certa forma, desconsiderado por muito tempo, o bullying.

Comportamento antissocial, comum entre crianças e adolescentes, o bullying tem sido alvo de preocupação e pesquisas justamente pela visibilidade que vem ganhando, sobretudo no ambiente escolar. Bullying é um termo da língua inglesa, bully que significa “valentão” e refere-se a atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetitivos, relacionados a desequilíbrios de poder que atinge crianças e adolescentes com possíveis consequências trágicas nas várias fases da vida. Na vida adulta caracteriza-se como assédio moral e sua manifestação, agora, se dá no ambiente de trabalho, com o mesmo resultado nocivo às pessoas e aos ambientes que, ao não agirem incisivamente sobre o fenômeno, o toleram, incentivo para sua permanência e expansão.

O bullying é um problema de saúde pública com dimensões cada vez maiores em todos os países, principalmente pela atual forma de violentar através dos cyberbullying , ou agressões via internet. Pesquisa divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) com alunos das oitavas séries, em todas as capitais do país revela que um em cada três estudantes já foi vítima de bullying.

O cenário do bullying envolve vários participantes, ou seja, o agressor ou agressores, a vítima, as testemunhas. Estas presenciam os atos de bullying, mas não se envolvem ou denunciam por temerem ser as próximas vítimas. Agressor e vítima apresentam fragilidade psicológica, mas situam-se em polos opostos de uma mesma dinâmica psicológica: o primeiro, agressivo, abusa de seu espaço; o segundo, passivo, não usa o seu espaço e seu direito. O autor ou autores das agressões, egocêntricos, ou seja, incapazes de perceber a perspectiva e os sentimentos do outro, em geral, possuem histórico familiar adverso, com desníveis de poder em seu meio.

Quanto à vítima, há a que, passiva, não consegue se defender em vista da desvantagem frente ao agressor ou agressores, por questões físicas, como menor força, minoria, falta de assertividade e pouca flexibilidade psicológica perante o agressor. Esta descrição serve para aqueles que permanecem por um tempo longo sob as agressões, mas há, entre as vítimas, aquelas que, assertivas, ou seja, com mais possibilidades de defesa, buscam ajuda dos pais, professores ou pessoas de sua confiança, contribuindo, com isso, para que providências sejam tomadas tanto em relação ao próprio sofrimento, como servindo de alerta aos adultos responsáveis pelo ambiente onde o fenômeno ocorre.

As consequências do bullying afetam a criança tanto em sua auto estima como em sua saúde física, emocional, com repercussão no próprio rendimento escolar. Muitas vezes, há queda no rendimento e este é atribuído a dificuldades de aprendizagem, mas o que realmente está acontecendo é que a criança está impossibilitada de focar atenção nas aulas, em vista do medo que sente do agressor ou dos agressores, refletindo em sua aprendizagem e socialização. Sendo a criança um ser em processo de constituição, as repercussões do bullying em sua vida social podem gerar agressão e depressão, baixos níveis de bem-estar e convívio social e altos níveis de angústia, aflição e sintomas físicos adversos, os mais variados.

Em geral, o foco principal de atenção em casos de bullying são as vítimas. No entanto, o agressor também necessita de atenção e tratamento. O que o leva a agir agressivamente, a sentir-se no direito de intimidar, ridicularizar, desqualificar, humilhar? Como em qualquer forma de violência, o que está em jogo é um autoconceito pobre sobre si mesmo que, ao não ser reconhecido, não é passível de elaboração (“cura”) e integração a personalidade. Assim, o agressor vê no outro aquilo que tem em si e não aceita. Dessa forma, age primitivamente, tentando eliminar o desconforto que sente ao ver, no outro, aspectos inaceitáveis seus. Aparentemente os agressores são vistos com vantagens em termos de poder, mas isso não passa de uma questão superficial. Em nível mais profundo está a realidade, a causa dessa necessidade de abuso e auto afirmação: sua fragilidade psicológica. Esta o coloca a abusar do aparente poder a fim de sentir-se superior àquele no qual reconhece sua própria fragilidade.

Completando o cenário do bullying está o local de sua ocorrência. Por ser comum que ocorra em escolas, atualmente é inaceitável que estas não tenham em seu planejamento um plano de ação a ser acionado em casos de suspeita e de ocorrência de bullying . Segundo pesquisas , o comportamento agressivo entre estudantes é universal. Dessa forma, as instituições escolares alinhadas com a realidade atual já tem em seu Projeto Político Pedagógico a definição do que vai ser feito e dos meios para o enfrentamento dos problemas detectados. No caso do bullying, o documento terá descrito que ações serão deflagradas visando proteção a vítima e orientação e encaminhamentos quanto ao agressor ou agressores. Portanto, os pais, ao procurarem escola para seus filhos devem informar-se sobre qual o plano de ação que esta prevê para casos de ocorrência de bullying .

Os pais das vítimas podem detectar o problema por meio de observação no comportamento de seus filhos que, fatalmente, apresentará alterações. Algumas crianças verbalizam as agressões sofridas, outras, a curto prazo, podem passar a ter medo de ir a escola, somatizações (dores ou sintomas físicos sem causa orgânica), sobretudo quando se aproxima a hora de ir a escola, choro, sono agitado ou mesmo insônia. A longo prazo essas alterações poderão tomar proporções de mais difícil solução.
Sob o aspecto legal , os comportamentos de bullying ferem princípios constitucionais de respeito a dignidade da pessoa humana, podendo o responsável ser enquadrado no Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que as escolas prestam serviço aos consumidores e são responsáveis por atos de bullying que ocorram dentro do estabelecimento de ensino.

O que fazer?

Uma forma de combate utilizada por escolas, em pequenos e grandes centros, seja por já terem enfrentado o problema, seja para fins de prevenção , é o debate entre equipe pedagógica, pais e comunidade que resulta na inserção, no Projeto Político Pedagógico da escola, de um programa a ser posto em prática em caso de ocorrência de bullying. Com os alunos tem sido utilizadas dramatizações, filmes com posterior debate sobre direitos, deveres, diversidade étnica, religiosa, necessidades especiais, diferentes configurações familiares e toda gama de possibilidades que se possa abarcar, objetivando propiciar reflexão, socialização, solidariedade e familiarização com contextos que ajudem as crianças e a nós todos a conhecer e respeitar o universo do outro.

Todos somos responsáveis pela busca de melhorias para a vida em sociedade. Como toda grande causa – e educação é a maior de todas – na implementação de programas de combate ao bullying não há lugar para pressa e improvisação, mas empenho conjunto no estudo, planejamento e execução de ações para enfrenta-lo. Escolas que se empenham nesse objetivo contribuem para diminuir sua ocorrência e os danos psicossociais às vítimas, bem como orientação aos pais e tratamento aos agressores e vítimas para a construção conjunta de melhores cidadãos e, consequentemente, de melhor sociedade.

Autor:

Psic. Maris Stela da Luz Stelmachuk

 CRP 08 0874 – 12 0882

(Psicóloga Clínica e Escolar. Professora de Psicologia do Desenvolvimento e Teorias da Personalidade, no Curso de Psicologia da Universidade do Contestado – Canoinhas/Porto União, Mestre e doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina)

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